7ª Parte:
- Você está me deixando tonto! – grunhi.
- Deixa de ser rabugento Edward! – Alice jogou algumas almofadas em mim e todos na loja olharam em nossa direção.
- Pare com isso! Já chega o caminhão de coisas fúteis que comprou, para que quer um sofá com tantas almofadas?
- Sua casa mais parece uma mansão de filme de terror. Sem móveis o suficiente para preencher os espaços. Sem cor, sem vida, vou deixar tudo lindo e deslumbrante antes de voltar para Forks. – ela dava gargalhadas exultantes, enquanto deslizava pelos corredores da loja.
- Eu mereço isso! Faça como quiser. Quando for embora eu me desfarei de tudo, de qualquer forma. – lancei a ela meu olhar de desdém e ela deu de ombros, já perto das prateleiras de carpetes e cortinas.
Deixei-a distraída pelos corredores e comecei a caminhar desatento através da loja. Mexia em alguns objetos de decoração quando percebi uma movimentação pela rua. Fui até a entrada da loja e vi carros patrulha estacionarem no fim do quarteirão, policiais afastando os curiosos e outros passando aquelas faixas de contenção amarelas.
Logo uma Blazer preta, filmada, último modelo, percorria devagar por entre as pessoas aglomeradas na rua. Uma policial afastou dois cavaletes que impediam o trânsito, deixando o veículo entrar no círculo de viaturas. O giroflex no capô sugeria polícia, e eu supus que fosse alguém mais qualificado do que os policiais locais.
- Não se preocupe. Ela vai ficar bem. – sussurrou Alice no meu ouvido.
- Quem? – perguntei confuso. Eu não estava pensando em ninguém e ela tentava bloquear seus pensamentos para que eu não os ouvisse.
- Se eu contar agora, talvez você tente fugir. Vou deixá-lo descobrir sozinho. – ela riu e se afastou, absorvendo-se nas compras que ainda pretendia fazer. Tentei ouvir seus pensamentos, mas Alice focava sua mente nas almofadas lilases e azuis que pretendia comprar.
Fui até a calçada e fiquei ali de pé, braços cruzados observando tudo atento. Uma minivan branca com ‘Seattle Post News’ estacionou a poucos metros de onde eu estava. Observei o rapaz magro, branco feito leite, com cabelos excessivamente ruivos descer do lado do motorista. Ele deu a volta e, após uns minutos, o vi do outro lado da rua com uma câmera Nikon Profissional em punho.
Tirava foto de tudo que via. Olhei em direção ao meio do círculo de viaturas. O megafone da polícia soava os dizeres ‘O local está cercado! Não tem como fugir! Liberte os reféns e poderemos entrar num acordo!’ e a resposta, ‘Sem acordo!’ me fez esboçar um sorriso. Humanos são tão previsíveis e mesmo assim fazem tudo da maneira mais difícil. Era óbvio que não haveria acordos. Pelos menos, até que a polícia desse alternativas, o que não ocorria naquele momento.
Observei o homem alto de jaqueta preta descer da Blazer. Ele foi em direção aos policiais, falou com alguns e depois com o que segurava o megafone. O baixinho careca era engraçado. Lembrava um palhaço desses programas humorísticos antigos. Pareceu-me que o policial não tinha ficado feliz com a presença do homem da jaqueta preta.
Logo vi o cabelo ruivo do fotógrafo atravessar meu ângulo de visão novamente, ele acenava para alguém e, como não deve ter sido visto, entrou em meio aos curiosos e puxou esse alguém de lá. Não conseguia ver a pessoa com que ele conversava, pois estava de costas e a multidão indo e vindo entre eles não ajudava.
O ruivinho apontou para o lado, na direção que estava a Blazer. Ele foi até lá e a pessoa esperou. Logo ele tirou a policial do caminho e quando aquela pessoa correu, vi que era mulher. Não dava para distinguir no meio daquele turbilhão de gente.
Ela se agachou perto da Blazer e foi engatinhando até a traseira. Olhava pelo canto em direção ao banco. O dono do veículo se aproximou e a levou dali. Eu caminhei alguns passos para vê-los. Minha curiosidade aumentara com a cena. Consegui encontrar a dupla atrás das viaturas do outro lado.
Continuei caminhando e quando dei por mim, já estava a meio metro da faixa de contenção. As pessoas começaram a correr, tiros surgiram pela porta do banco e uma bomba caseira foi jogada na direção dos policiais.
Agora eu estava com a faixa de contenção batendo em minha cintura. Com olhar fixado nos dois caídos no chão. O rapaz a ajudou a levantar e então a discussão da polícia com os bandidos recomeçou. Não entendi muita coisa porque eu continuava fitando os dois. Ele puxando-a pelo braço, querendo tirá-la daquela confusão.
Então eu ouvi quando ela gritou ‘Eu posso ajudar. Sou repórter’. Eu não entendia por que estava tão interessado naqueles dois até ouvir a voz dela. Era familiar, doce, frágil e cheia de força ao mesmo tempo.
O policial a chamou e o outro discutiu com ele. Quando ele a girou e a abraçou, consegui finalmente ver seu rosto. A garota do aeroporto. Era disso que se tratava. Era ela quem Alice se referia. Eu jamais pensei vê-la novamente e, agora, eu não conseguiria imaginar sair dali sem ao menos saber seu nome.
Ela se desvencilhou do abraço do policial e foi até o baixinho do megafone. Ele tocou o ombro dela como se desculpando por qualquer coisa. Ouvi em seus pensamentos o absurdo que estava fazendo e logo ele recomeçou a falar naquele instrumento barulhento.
- TEMOS O QUE PEDIU. FAREMOS A TROCA IMEDIATAMENTE. – limpou a garganta e continuou. – ELA VAI ATÉ A METADE DO CAMINHO, VOCÊS LIBERAM OS REFÉNS, QUANDO FALTAR APENAS A MOÇA QUE ESTÁ COMO ESCUDO, VOCÊS A SOLTAM E A REPÓRTER TERMINARÁ O CAMINHO.
- A MANDE QUANDO O PRIMEIRO REFÉM ATRAVESSAR A RUA. – respondeu a voz grossa dentro do banco.
Nesse momento eu estava dentro do círculo de viaturas. Nem me lembrava quando havia atravessado a faixa de contenção. Nenhum policial me vira e ainda estavam absortos na troca que não notaram minha presença.
Os primeiros reféns saíram do banco e, uma menina de uns quinze anos chorou ao ser amparada por um policial barrigudo. O nanico empurrou a jovem repórter para o meio da rua. Ela ficou ali parada, tremendo feito bambu verde em noite de tormenta, até que um dos bandidos encapuzados apareceu na porta do banco segurando uma mulher pelos cabelos.
Ele apontou o rifle com mira laser na cabeça da repórter, enquanto a mulher caminhava lentamente pela rua até ficar diante da outra. Eu ouvi o sussurro dela ‘O-o-obrigada!’ ao passar.
Trinquei os dentes, minhas mãos em punho ao lado do meu corpo. Dei um passo adiante, era preciso acabar com aquela insanidade. A jovem olhou para trás hesitante, procurava alguma coisa e encontrou meus olhos, tirando minha concentração.
Fiquei paralisado. Não me sentia assim há muito tempo. Eu já a tinha visto, a ajudei a conseguir um táxi e só. Depois daquele episódio eu não pensara mais nela. Por que agora, em meio aquela confusão, eu sentia necessidade de tê-la perto de mim? Seria o suspense do momento? Talvez a incerteza e surpresa no olhar dela ao me ver ali?
O homem encapuzado gritou ‘Entra logo ou morre ai mesmo!’, ela virou-se relutante e desapareceu pela porta de vidro. Descongelei de meu atual estado e comecei a caminhar atrás dela, até uma mão delicada me segurar forte.
- Ainda não! – ordenou Alice.
- Ela vai morrer. – relutei.
- Essa sua mania de querer proteger suas mulheres não resultou em nada de bom para você até agora. Estou errada? – ela me encarou reflexiva.
- Alice! – não consegui terminar. Ela tinha razão. Toda vez que eu agia sem pensar, colocava quem eu amava em perigo.
E esse pensamento me pegou de surpresa: quem eu amava. Depois de Bella, eu nunca me imaginei amando mais ninguém, até aquele segundo. Até ler nos olhos daquela desconhecida a felicidade em me ver. Como isso era possível? Nem sabia o nome dela, nem ao menos cogitei essa possibilidade quando a vi perdida na calçada uma semana atrás.
- Venha. Você precisa se preparar para o que está por vir. – Alice me puxou para longe da confusão.
Antes que pudéssemos sair ilesos, o policial da Blazer nos percebeu. Aliás, ele havia me percebido quando ela me olhou. Dentre os inúmeros pensamentos que eu ouvia sem conseguir bloquear, o dele era o mais nítido para mim. Ele gostava dela e não estava nada feliz por ela ter olhado para mim e não para ele.
- O que fazem aqui? Civis não são permitidos. Policial, tire-os daqui. – seu pedido soou como ordem e a policial se aproximou de nós.
- Como pode deixá-la fazer essa estupidez? – perguntei irritado.
- Não deixei. Não sou dono dela. – grunhiu. – E você é algum parente? Amigo?
- Não. Mas...
- Então não tem direito algum de estar invadindo um cerco policial.
- Vem Edward! – pediu novamente Alice. – Ela vai ficar bem. Confie em mim.
Eu só me deixei levar porque Alice tinha absoluta certeza de que a moça ficaria bem. Normalmente suas visões são mutáveis, mas parecia que, quem quer que seja que estivesse com ela, sabia exatamente o que queria e não iria mudar de idéia. Pelo menos, era nisso que me apeguei, para não surtar e correr pela rua até o banco e acabar com cada um deles.
- Por que me impediu? – falei já dentro do carro.
- Porque o sol vai aparecer daqui cinco minutos. Não percebeu que parou de garoar e o vento mudou de direção? Além do mais, eu não via você lá dentro. Falei sério quando disse que ela ficaria bem.
- Não entendo essa sua certeza. – sussurrei.
- Eles só querem contar a história deles. O outro lado da notícia. Eles não irão machucá-la. Vão soltá-la a noite e você vai buscá-la. Ela estará assustada demais e precisará de um ombro amigo.
- Não sei se consigo esperar até a noite.
- É preciso Edward. Qualquer tentativa de resgate e eles não pouparão a vida dela.
- Tudo bem Alice. Estou convencido.
Passei o resto do dia dentro do carro, parado na rua atrás do banco. Por volta da meia noite, ouvi disparos e gritos. Um tumulto na frente do banco, como Alice havia previsto. Era uma distração, para que o chefe do bando fugisse. A porta dos fundos se abriu e um rapaz magro, fisionomia cansada, vestido com um uniforme de vigia, saiu com malas nas mãos. Era seguido por outro, igualmente vestido, segurando a moça encapuzada.
Um carro azul Royal parou na esquina, piscando os faróis duas vezes. ‘Vamos’. Sussurrou o mais alto e, ao chegar ao carro, abriu o porta malas, lançando as malas aparentemente pesadas lá dentro.
Um tiro ecoou no beco, atingindo em cheio o rapaz que segurava a moça. Ele caiu e o mais alto entrou no carro, ‘Vai! Vai!’, gritou. O carro arrancou e o vulto do atirador surgiu das sombras da rua lateral.
Nesse momento, eu acelerei o carro e parei ao lado dela. Desci e a amparei nos braços. Tirei o capuz e vi novamente seus olhos castanhos. Ouvi a respiração dela acelerada, agora ainda mais.
- Ele está morto! Mas que droga! – resmungou o atirador ao verificar a pulsação do bandido caído no meio fio.
- Tem boa pontaria. – comentei ainda mergulhado nos olhos dela.
- Não queria matá-lo. Tenho muitas perguntas. – ele se virou e agachou ao nosso lado, afastou um pouco o cabelo avermelhado dela do rosto. – Você está machucada?
- Acho que já me perguntou isso hoje. – ela riu, desviando rapidamente os olhos dos meus para os dele.
- Acho que sim. – ele a segurou por um braço e eu pelo outro. Ambos a colocamos de pé.
- Eu a levo. – garanti.
- Pode deixar comigo. – retrucou.
- Meninos. Posso andar. Estou bem. – ela se soltou de nós e cambaleou dois passos antes de cair.
- Acho que não. – falei ao acomodá-la em meus braços novamente.
Eu fora mais rápido que ele para ampará-la. A confusão no rosto dele e a fúria em seus pensamentos eram como o gosto de sangue para mim, doce e extasiante. Ser vampiro tinha suas vantagens afinal. Eu ri e ela riu junto.
Claro que não tinha lido minha mente. Era eu o dotado desse poder ali. Mas era como se ela soubesse o que se passava em minha cabeça. Cada vez mais intrigante e, como antes, não conseguia ouvir seus pensamentos, era um amontoado de lembranças e palavras desconexas. Então desisti de tentar e me deixei levar pelo que estaria por vir, como a própria Alice dissera: ‘Venha. Você precisa se preparar para o que está por vir’.
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Continua...